2021
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Curso em Milagres

João Henriques

Exposições
11 Set 2020 > 31 Out 2020
Paços do Concelho - Sala Gótica

Como é que se representa visualmente algo que se ergueu sobre um “milagre” e sobre uma história complexa, que pode conter tanto de fé como de crença, de elementos falsos, ilusórios, manipulados, dados à superstição e ao misticismo, embebidos pela interacção entre teologia, política, religião, cultura, e sociedade? Sendo a amnésia intencional um dos problemas dos artefactos culturais, torna-se difícil abordar Fátima sem relembrar, mesmo que superficialmente, o contexto em que emergiu: das aparições aos 3 pastorinhos em 1917; da creditação do fenómeno pela Igreja, somente 12 anos mais tarde; da chegada do regime fascista em 1926; da chegada ao cume da hierarquia católica portuguesa do Cardeal Cerejeira, em 1929; da estreita relação que Salazar manteve com Cerejeira, em que dessa interacção se legitimou Salazar politicamente e de forma absolutista, escrevendo Cerejeira em 1946, "foste o escolhido da Providência para realizares tão grandes coisas quase miraculosamente [...], o milagre de Fátima está à vista. Tu estás ligado a ele: estavas no pensamento de Deus quando a Virgem Santíssima preparava a nossa salvação. E ainda tu não sabes tudo... Há vítimas escolhidas por Deus para orarem por ti” 

Fátima como lugar simbólico, nos símbolos existindo sempre a voz de quem domina, Fátima mítica, que se revela na nostalgia de um impossível Portugal grandioso e condutor à paz no mundo; através da Virgem como fundadora da nação, que “aparece” a D. Afonso Henriques e que é coroada Rainha de Portugal por D. João IV; do Salazar salvador da Pátria, ao serviço de uma vontade que o transcende; de um lugar onde se dá a transmutação do ordinário em divino, da azinheira ao Santuário. 

Fátima revelação, aparição, milagre, palavras fortes do passado que parecem agora transfigurar-se em fake news, conspiração, desinformação, neofascismo. De que modo se coloca Fátima na génese do Portugal contemporâneo? Fotografar Fátima é imaginar o invisível. 

  • João Henriques

    João Henriques (Tomar, 1967), vive em Torres Vedras. Possui estudos superiores em Gestão de Empresas (Licenciatura - UE), Psicoterapia e Relação de Ajuda (Pós- Graduação - UAL) e Fotografia (Mestrado - IPT). Desenvolve regularmente trabalho autoral em fotografia, usando as imagens como interrogação observacional do mundo, interior e exterior, e como exploração do potencial criador de histórias e narrativas, poéticas, documentais, sentimentais, ideológicas, ou outras