Renato Roque
Escrito com Cal e com Luz
Em 2015 realizei um projecto fotográfico na região de Gândara, a partir do estudo da obra de Carlos de Oliveira e da escrita de um ensaio sobre a sua poética.
Realmente, o escritor viveu em Febres, pequena povoação do concelho de Cantanhede, onde o pai era médico de aldeia, até ir estudar para Coimbra, e toda a sua escrita, quer em romance, quer em poesia, tem marcas dessas terra pobre e dura.
Perguntam-me ainda porque falo tanto da infância. Porque havia de ser? A secura, a aridez desta linguagem, fabrico-a e fabrica-se em parte de materiais vindos de longe: saibro, cal, árvores, musgo. E gente, numa grande solidão de areia. A paisagem da infância que não é nenhum paraíso perdido mas a pobreza, a nudez, a carência de quase tudo.
In O Aprendiz de Feiticeiro
Com base nesse projecto publiquei em 2017 um livro de fotografia intitulado Escrito com Cal e com Luz – Ensaio Fotográfico sobre a Poética de Carlos de Oliveira. A edição integrou-se num conjunto de eventos dedicados ao escritor durante o ano de 2017, centrados no Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira, a quem a família do escritor doou grande parte do seu espólio. Escrito com Cal e com Luz é um livro de fotografia tecido com a vida e com a escrita de Carlos de Oliveira, integrando textos de apresentação do autor e de Rosa Maria Martelo.
Carlos de Oliveira nasceu em 1921. Em 2021 comemora-se, portanto, o seu centenário.
É fácil ligar a obra de Carlos de Oliveira à natureza: às árvores, às pedras, ao musgo, à areia, à cal e à luz, permanentes na sua escrita. E sempre a ideia de “brevidade”, que lhe era tão cara, que parece traduzir a essência da fotografia.
Que literatura poderia nascer daqui que não fosse marcada por esta opressiva brevidade, por este tom precário?
In O Aprendiz de Feiticeiro
Realmente a poética de Carlos de Oliveira parece enquadrar-se com naturalidade no tema dos Encontros da Imagem deste ano. Parece pois fazer todo o sentido integrar nos Encontros da Imagem 2021 uma exposição de fotografia, construída a partir do livro Escrito com Cal e com Luz, estabelecendo uma ligação ao poeta, aos seus livros e à sua escrita, contribuindo para divulgar um autor que muitos consideram central na literatura portuguesa do século XX.
Renato Roque, 2021
Renato Roque nasceu no Porto há muitos anos. Esteve presente nesse momento histórico – há fotografias que o (não) provam – mas sinceramente não se lembra. Dizem-lhe que era uma segunda-feira e que fazia sol. Apesar de procurar praticar o cepticismo na sua vida, acredita. Acredita talvez, porque tem muitas outras coisas, que lhe parecem mais importantes, para duvidar.
Nos anos 80 descobriu que era possível contar histórias com a fotografia e que essa era a forma certa de expressar as suas dúvidas e de questionar as suas certezas. Desde essa altura que exerce uma actividade regular em fotografia e na escrita. Fez algumas exposições individuais, participou em algumas colectivas, deu o corpo e a mente ao manifesto em diversas demonstrações culturais e publicou alguns livros de fotografia e de ficção mais ou menos ficcionada.
Apesar de autodidacta por vocação nestas coisas da imagem, completou em 2009 na Universidade do Porto o Mestrado em Multimédia com o projecto fotográfico "Espelhos Matriciais", sobre retrato fotográfico e identidade.
Exposição:
Galeria do Teatro Gil Vicente
Terça a Sexta: 10h00 - 18h00